Mariza Peirano em seu ensaio “Antropologia no
Brasil” (Alteridade e Contextualidade) coloca como seu objeto: apresentar uma
configuração típica-ideal para antropologia no Brasil. Para isso procura
indicar, ao focalizar a produção da comunidade brasileira da antropologia, em
que medida ela oferece uma oportunidade para se detectar elementos fundantes
nos próprios centros metropolitanos, além de evidenciar em que sentido a
disciplina, no Brasil, tanto acompanha a experiência desenvolvida em outro
contexto quanto também difere delas.
Em seu texto, Mariza Peirano cita os estudos sobre
“fricção interétnica de Cardoso de Oliveira (1963, 1978). Cardoso de Oliveira,
segundo ela, via o contato com grupos indígenas como um indicador sociológico
para se estudar a sociedade nacional, isto é, seu processo expansionista e sua
luta pelo desenvolvimento.
Como já citamos acima, um dos objetivos de Peirano
é apresentar uma configuração típica-ideal para a antropologia no Brasil.
Dentro deste recorte, mencionar o trabalho de Cardoso de Oliveira é muito
oportuno, pois a “fricção interétnica” foi considerada por muitos uma inovação
teórica da antropologia feita no Brasil. Essa noção apareceu como bricolagem de
preocupações indigenistas e inspiração teórica sociológica, revelando uma
situação na qual dois grupos são dialeticamente unidos através de seus
interesses opostos. A “fricção interétnica” de Cardoso de Oliveira veio dar um
polimento teórico e transformar a preocupação indigenista no Brasil em tópico
legitimamente acadêmico.
Como, muito apropriadamente, coloca Mariza Peirano,
“fricção interétnica” foi proposta em um contexto no qual as teorias de
contato, tanto britânicas (Malinowski) quanto norte-americanas (Redield, Linton
e Herskovitz), haviam se provado inadequadas. Assim, ainda segundo a autora,
Cardoso de Oliveira as substituiu pelo somatório singular que fez da
preocupação indigenista de Darcy Ribeiro, da sociologia de Florestan Fernandes
e dos trabalhos de Balandier. Dessa maneira, tornou-se um caso típico de
descendência intelectual a combinar inspiração “local” e empréstimos externos.
Nestes termos não é bom perder de vista a intenção
de Peirano, quando ela diz no primeiro parágrafo do texto: “Por muito tempo a
antropologia foi definida pelo exotismo do seu objeto de estudo e pela
distância, concebida como cultural e geográfica, que separava o pesquisador do
seu grupo de pesquisa. Essa situação mudou. Mesmo nos centros socialmente
legítimos de produção antropológica (...) hoje o ideal do encontro radical com
a alteridade não é mais dimensão considerada essencial na antropologia”.
A
ideia de que a alteridade é um aspecto fundante da antropologia, como ela mesma
afirma, sem a qual a disciplina não reconhece a si própria é um dos argumentos
centrais desse ensaio. Para isso, ela faz uso, e muito bem, do ponto de vista
de Cardoso de Oliveira. Mariza Peirano lembra que quando a noção de “fricção
interétnica” foi proposta, uma cena peculiar se desenvolvia “(...)Dividindo o mesmo espaço institucional e, mais importante,
frequentemente envolvendo os mesmos pesquisadores, muitos estudos foram
realizados nos quais, de um lado, se examinavam os sistemas sociais indígenas
e, do outro, se analisava o contato interétnico”.
Para
dar suporte a sua argumentação a autora também cita outro projeto de Cardoso de
Oliveira (Oliveira & Rubem, 1995) que tinha o propósito de estudar
diferentes estilos de antropologia, com a proposta de focalizar experiências
nacionais diversas[1].
Para
entendermos melhor a importância de Cardoso de Oliveira para o ensaio Mariza
Peirano, vamos traçar algumas considerações sobre “fricção interétnica” que
extraímos do site Recanto das Letras – WWW.recantodasletras.com.br
“O conceito de fricção interétnica toma a questão indígena como
motivação para se pensar a sociedade nacional, através da presença de algum
modo ‘incômoda dos grupos tribais’ (Roberto Cardoso de Oliveira), o índio era
um indicador sociológico para aqueles que estudavam a sociedade nacional, seu
processo expansionista e sua luta para o desenvolvimento, o estudo sobre os
negros serviu ao mesmo propósito para Florestan Fernandes, a antropologia
moderna no Brasil descende mais dos estudos de Florestan Fernandes sobre a
integração do negro que das suas análises sobre os tupinambás” (Peirano, 1981)
Para a autora do texto no site Recanto das Letras Bianca Wild
“(...) no entendimento do senso comum, fricção interétnica seria o
“atrito” entre etnias diferentes, culturas diferentes, ocasionando a
apropriação de práticas, conflitos e junções ora negativos ora positivos e até
mesmo a ocorrência de conflitos identitários, sendo assim traços culturais
passam de uma sociedade para outra, como nos “estudos de aculturação”, ou
instituições e atores concretos (porém imaginados em termos de “papéis
sociais”) atuam como mediadores de complexas relações de confronto entre grupos
humanos que se concebem como culturalmente distintos (sem que lhes ocorra
indagar o que significa este ‘culturalmente’) como nos estudos de fricção
interétnica iniciados por Cardoso de Oliveira em 1962”.
E, pelo nosso prisma, é exatamente este tipo de atrito que Luiza Peirano
vem tentando explicar em seu ensaio quando considera o exotismo a diferença
limite para apreensão antropológica. Quando a autora separa as alteridades: (a)
alteridade radical, (b) contato com a alteridade, (c) alteridade próxima e (d)
alteridade mínima, atesta que se é correto pensar que uma cultura mundial dos
tempos precisa de constantes empréstimos, tanto na direção das metrópoles para
as periferias ideológica quanto no sentido oposto, ela propõe um diálogo
teórico e empírico que ultrapasse barreiras nacionais, ou seja, para ela, é
fundamental desenvolver “universalismos plurais”, que situem, inclusive,
“universalismos metropolitanos” e, ao mesmo tempo, reflitam a contingência de
vivermos no Brasil. Enfim, uma fricção interétnica como propões Cardoso de
Oliveira, com a qual ela dialoga.
Obras Citadas
Algumas considerações sobre
fricção interétnica.
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/498022
[1] Este projeto a que Peirano se refere foi concebido como um exame de
antropologias “periféricas” – destinadas a disciplinas que não sejam centrais
ou metropolitanas. Segundo a autora esta disciplina foi bem sucedida em
determinado pais, por ter se adaptado sem perder sua cientificidade.
" E, para nós é exatamente este tipo de atrito que Luiza Peirano vem tentando explicar em seu ensaio"
ResponderExcluirLuiza Peirano?